Eu tenho certeza que todo mundo tem histórias de infância, sejam boas ou ruins, e uma vez que eu não sou diferente da maioria, essa que se segue é só uma das minhas. É provável que eu venha a contar várias delas aqui.
Mesmo que eu nunca tenha sido uma criança sapeca (meu medo de altura não me deixava fazer muitas coisas de criança), sempre fui excessivamente desastrada. E chorona. Somando dois mais dois, não é difícil adivinhar que ao menos uma vez ao dia eu dava um jeito de estourar um joelho, ralar uma perna, cortar um lábio, fazer um hematoma nas canelas. E, aí, eu chorava. E chorava mesmo, de boca aberta, lágrimas inundando o roso, catarro saía do nariz, eu soluçando.
Vovó, que de vez em quando me encontrava em uma dessas situações, tinha um jeito bastante peculiar de me confortar:
— Até casar, sara! — dizia ela, sorridente.
É claro que ia sarar!, eu pensava. Eu ainda era uma criança! Evidentemente, meu joelho sararia muito antes de eu me casar com alguém. E aquilo me parecia tão óbvio na época que eu me perguntava se ela não estava fazendo uma chacota com o meu nome. Ou, sei lá, me encorajando com uma frase cheia de desencorajamento.
De qualquer jeito, a impressão que ficou, depois de anos e lágrimas, foi: se doesse, eu não precisaria me preocupar. Até que eu me casasse, sararia, porque nada dura para sempre. Porque todas as dores dessa vida, seja um joelho ralado ou um coração partido, um dia, saram. Um dia, vão embora.
E foi aí que eu me casei comigo mesma. Com todos os meus defeitos, e minhas imperfeições. Com as minhas virtudes, os meus machucados, o meu medo de altura, a minha mania de observação. Me casei com o meu corpo e tudo o que há de errado nele. Me casei com as minhas unhas desbotadas, meus olhos castanhos sem graça e que nem enxergam tão bem assim. Me casei com meu coração... e com meus outros orgãos também. Me casei comigo.
E quer saber?
Tá sarando.