14 de mar. de 2015

rebobine antes de devolver

Music is everything
Fonte: We ♥ It




Ela conseguia fazer anéis de fumaça com a boca. Ri, beijei seu ombro e, pela primeira vez na vida, não me incomodei com o cheiro do cigarro.
"Parabéns", falei, rouca pela risada.
"Quer?", ela ofereceu, prendendo o tubo com dois dedos. "Você não sabe as maravilhas que a nicotina faz depois da foda."
"Estou fumando passivamente", contrapus.
"Que ironia."
Dessa vez, rimos juntas, quase uma crise, até que lágrimas saíssem dos meus olhos. Quando nos acalmamos, ela sugou com vontade a base do cigarro, queimando-o quase todo. Por algum motivo, ela gostava dos mais baratos.
Eu estava a ponto de dormir pela exaustão. Meu rosto estava encaixado em seu pescoço nu, absorvendo-se e banhando-se em seu cheiro de pele. 
Nossas coxas enlaçadas, minha mão repousando na base de seu seio.
"Eu me sinto nova", disse ela, de repente. 
Ri. 

"Como assim?" 
Ela sorriu, mas me pareceu que fora apenas para me acompanhar. 
"Tá, nova não. Exagerei", ela abriu a boca, deixando a fumaça exalar de seu pulmão livremente dessa vez, de acordo com sua respiração. "Me sinto como uma antiga fita cassete se sente depois de rebobinar. Sabe?" 
Puxei seu queixo e beijei-lhe delicadamente. 
"Minha linda, eu nasci na geração dos pen-drives. Nem CD compro mais. Não tenho a mínima ideia do que você tá falando." 
Ela riu, com vontade dessa vez. 
"Tu é muito convencida pra uma menina tão nova." 
"Sou um prodígio, veterana aos 17 anos." 
"Um prodígio por pular metade do terceiro ano?" 
"Mas é claro." 
"Convencida, isso sim", ela me beijou. "As fitas cassetes não tocavam outra vez se você não girasse as fitas ao contrário. É o que chamávamos de rebobinar." 
"Então", comecei, ainda risonha "quer dizer que o sexo foi tão bom que literalmente te virou ao contrário?" 
"Basicamente isso", rimos novamente. "Na verdade, eu me sinto reanimada. Pronta pra reagir. Com vinte anos na cara, deixei uma guria de dezessete me ensinar a reagir." 
"Viu só como sou um prodígio?" Ela riu e concordou. "O que acontece se eu me apaixonar por você?", perguntei. "Se eu te rebobinei, isso significa que você tenha superado teu ex, imagino." 
"Muitas informações difíceis pra uma só sentença, Rafa. Vai com calma", ela sorriu. "Mas não quero que se apaixone. Se eu tô nova, dá pra ver que pra ti, sou só uma parte da tua música. Você rebobinou a minha fita, mas eu só acelerei a sua." 
Foi a primeira vez que ela me pareceu distante naquela noite, nessa frase. Na época, não entendi a metáfora muito bem, ou não o quis fazer. 
Tão difícil ver o fim. 
Naquela noite, matei minha aula e ela, a dela. Não cobrimos nossos corpos com nada além de nós mesmas e a fumaça do cigarro. Dormimos sob duas melodias diferentes tocando - mas, no dia seguinte, ela não estava lá. Minha música tocava; a dela, estava guardada em alguma gaveta. 
Percebi: eu a havia rebobinado antes de devolvê-la ao mundo.