25 de jun. de 2015

nublado

eu tô cansada dessa
vida em que o normal é
olhar para todo lado e 
ver todo o cinza até
acreditar que o azul não mais
existe.

eu tô cansada dessa
vida em que o natural não
se associa à cor 
e nem à visão 
(e sim a falta dela)

eu tô cansada dessa
vida em que a 
luz do sol é tão
rara que quando 
vem faz questão de 
cegar meus olhos

tô tão cansada dessa
vida em que o normal é 
olhar para todo lado e
ver todo o cinza até
acreditar que o azul não mais
existe.

(queria tanto o azul constante)

tô tão cansada dessa 
vida

20 de jun. de 2015

anestésica

funciona assim:
uma agulha, ligada a uma seringa, fura sua pele, onde quer que ela precise ser cortada. uma droga atinge um musculozinho, mínimo mesmo, mas o seu corpo que só sabe ser expansivo sai espalhando a substância sangue adentro.
de repente, você está dormente.
você está dormente e estão te picotando à bisturi.
se, como eu, você não tem medo de sangue, vai assistir um espetáculo de pele e corpo e suas essencialidades sob o efeito anestésico da falta de dor. o que é preocupantemente corrosivo; deveria doer, você sabe disso, mas como não dói, você se deixa cortar. você se deixa machucar, delicia-se com o poder de dar a outro o poder de redefinir tua pele, teus músculos, ti mesmo.

funciona assim:
um beijo, ligado a uma pessoa compatível, toca teu corpo, onde quer que ele precise ser tocado.
sério, amigo. a dormência é a mesma.

6 de jun. de 2015

radioativa

ela me beijou

os tiros violentamente pipocaram ao nosso redor, perfurando minha pele e rasgando os tecidos musculares e dilacerando meus órgãos à queima-roupa

ela me tocou
e

as granadas explodiram rente aos meus ouvidos, destruindo meus tímpanos, fazendo-os sangrar e voar com as bombas, matando qualquer senso de equilíbrio que poderia existir nessa mente que me guia 

ela me abraçou
e 

os tanques e tratores com suas bazucas colocaram minha casa abaixo, derrubaram meus muros e destroçaram meu teto, minhas paredes, minhas janelas 

ela se afastou

em seus olhos e sorriso torto, eu vi que a guerra intensa, destoante, violenta e sanguinária também a atingia com força, repetidamente
mas 

mesmo que nossos corpos e nossos eus fossem o gerador de toda aquela batalha nuclear 

ela me beijou

de novo

15 de abr. de 2015

higher

ela beija minha boca com a língua que
tem gosto de suor e álcool e também
uma leve pitada de nada, eu
arranco minha roupa e
seguro-a pelos cabelos e
coloco-a sob meu paladar assim
como ontem o fiz com outra e
como farei amanhã com mais uma, então
ela sussurra que me quer e 
sorri quando me beija e mesmo
que eu diga tudo de volta eu
no fundo não sei se quero ou
se sou ou se sinto alguma coisa além 
do mais profundo sei-lá

14 de mar. de 2015

rebobine antes de devolver

Music is everything
Fonte: We ♥ It




Ela conseguia fazer anéis de fumaça com a boca. Ri, beijei seu ombro e, pela primeira vez na vida, não me incomodei com o cheiro do cigarro.
"Parabéns", falei, rouca pela risada.
"Quer?", ela ofereceu, prendendo o tubo com dois dedos. "Você não sabe as maravilhas que a nicotina faz depois da foda."
"Estou fumando passivamente", contrapus.
"Que ironia."
Dessa vez, rimos juntas, quase uma crise, até que lágrimas saíssem dos meus olhos. Quando nos acalmamos, ela sugou com vontade a base do cigarro, queimando-o quase todo. Por algum motivo, ela gostava dos mais baratos.
Eu estava a ponto de dormir pela exaustão. Meu rosto estava encaixado em seu pescoço nu, absorvendo-se e banhando-se em seu cheiro de pele. 
Nossas coxas enlaçadas, minha mão repousando na base de seu seio.
"Eu me sinto nova", disse ela, de repente. 
Ri. 

"Como assim?" 
Ela sorriu, mas me pareceu que fora apenas para me acompanhar. 
"Tá, nova não. Exagerei", ela abriu a boca, deixando a fumaça exalar de seu pulmão livremente dessa vez, de acordo com sua respiração. "Me sinto como uma antiga fita cassete se sente depois de rebobinar. Sabe?" 
Puxei seu queixo e beijei-lhe delicadamente. 
"Minha linda, eu nasci na geração dos pen-drives. Nem CD compro mais. Não tenho a mínima ideia do que você tá falando." 
Ela riu, com vontade dessa vez. 
"Tu é muito convencida pra uma menina tão nova." 
"Sou um prodígio, veterana aos 17 anos." 
"Um prodígio por pular metade do terceiro ano?" 
"Mas é claro." 
"Convencida, isso sim", ela me beijou. "As fitas cassetes não tocavam outra vez se você não girasse as fitas ao contrário. É o que chamávamos de rebobinar." 
"Então", comecei, ainda risonha "quer dizer que o sexo foi tão bom que literalmente te virou ao contrário?" 
"Basicamente isso", rimos novamente. "Na verdade, eu me sinto reanimada. Pronta pra reagir. Com vinte anos na cara, deixei uma guria de dezessete me ensinar a reagir." 
"Viu só como sou um prodígio?" Ela riu e concordou. "O que acontece se eu me apaixonar por você?", perguntei. "Se eu te rebobinei, isso significa que você tenha superado teu ex, imagino." 
"Muitas informações difíceis pra uma só sentença, Rafa. Vai com calma", ela sorriu. "Mas não quero que se apaixone. Se eu tô nova, dá pra ver que pra ti, sou só uma parte da tua música. Você rebobinou a minha fita, mas eu só acelerei a sua." 
Foi a primeira vez que ela me pareceu distante naquela noite, nessa frase. Na época, não entendi a metáfora muito bem, ou não o quis fazer. 
Tão difícil ver o fim. 
Naquela noite, matei minha aula e ela, a dela. Não cobrimos nossos corpos com nada além de nós mesmas e a fumaça do cigarro. Dormimos sob duas melodias diferentes tocando - mas, no dia seguinte, ela não estava lá. Minha música tocava; a dela, estava guardada em alguma gaveta. 
Percebi: eu a havia rebobinado antes de devolvê-la ao mundo.