10 de out. de 2014

misoginia nossa de cada dia


"Vem aqui, sua linda", ele disse, de olhos grudados em mim, folheto azul nas mãos. Veio pânico, insegurança, fraqueza, olhei pra frente e lá estava. Muito perto, muito perto, não queria que ele me tocasse. "Por que escondeu o celular?", ele riu, debochado, ridicularizando, inferiorizando, mas sem retirar os olhos do meu corpo bem coberto. Olhei pros lados, pensei em correr, tanta gente, tanta gente, o sorriso dele me invadia, não queria que ele tocasse, não não não. "Ahhhh, você é tão linda! Vamos votar 45, hein?!", ele repetiu, estendendo o folheto, eu queria que ele parasse de me olhar. Baixei os olhos, sim, baixei a cabeça, apertei o passo, segui em frente, meu coração martelando contra mim, meu medo, minha humilhação. "Ô, sua linda! Vem cá!", ouvi seus passos, engoli em seco, olhei ao redor, pensei em correr, tanta gente, tantos homens, tantos homens passando por mim, tão normal, tão normal. Ele me entregou o folheto azul. "Gostei tanto de você!", ele disse, ainda me seguindo. "Você é muito linda, menina! Nossa!", ele era grosso, ríspido, debochado, doloroso. Cortes opressivos disfarçados de cantadas inocentes. Na minha lembrança, ele não tem rosto, ele são todos eles. Ele, que me seguiu e cantou e invadiu sem que eu o deixasse. 

Ele não foi o único homem que se aproximou de mim naquela tarde.